sábado, 29 de novembro de 2008

Saravá, Clarice!

Embrenhar-se em Clarice é entrar na mata densa e íngreme da natureza humana. No diacho da natureza humana. E, como a existência do bicho humano não é café pequeno, estamos falando de uma areia movediça: em Clarice não há porto seguro, não há "felizes para sempre". Ao contrário, há um fio de navalha do gênero com licença, vou ali morrer um pouco e já volto, mais ou menos por aí.
Com uma espécie de radar supersônico - super tudo - ela disseca microscopicamente "o é das coisas", os recônditos do ser, a poeira debaixo do tapete. Disseca e ao mesmo tempo vivifica. Insufla graça e fortaleza nas coisas que observa.
A sua ótica é uma lupa generosa e corajosa com a qual ela examina as coisas, as pessoas, a si mesma. Por isso, os adjetivos - ela inventa adjetivos - não vêm só para adjetivar. Eles cortam a coisa descrita como que a golpes de foice, para deixá-la em carne viva nas mãos do leitor.
A sintaxe de Clarice radiografa a existência. Tudo passa pelo raio-x da palavra e é devolvido ao mundo de forma poética. Mas de jeito nenhum uma poética virgem. Uma poética, ao contrário, espinhenta, afiada, feroz e dona de si. Por isso, magistral: o supra-sumo da arte de intermediar o mundo.
Os fantasmas internos , o puro e o podre de todos nós são descritos com monstruosa precisão e força. Latejam vivas no texto a dor e a delícia de ser. E, para piorar e melhorar, ela vai além, falando de uma dor deliciosa e de uma delícia dolorida.
Clarice mira em alvos intangíveis e acerta em cheio. Por que, de fato, a pessoa é para o que nasce. Exatamente.

4 comentários:

Anônimo disse...

Muito perfeitoo!
Parabéns por tua sensibilidade em notar pequenos detalhes... Detalhes que não vemos. Sentimos!

Amei o texto!
Bjão,
Daiane

Vera Quati disse...

...muito me adimira...já q falou da gloriosa Clarice vou prestar mais atenção...A Clarice nunca conformou-se com uma vidinha e sim em viver de verdade...

Vera Quati disse...

mto bom

Anônimo disse...

Olá! Cheguei até aqui pela indicação da Daiane Braghin. Tens uma sensibilidade linda, escreve sem amarras, dá pra sentir. Me chamou a atenção a tua formação: mestre em Letras pela UFRGS. Parabéns!

Adorei "te ler"!
Beijos!
*
Nathália Hecz