sábado, 27 de agosto de 2011

Abrigo antiaéreo


   
Houve um hiato considerável entre o primeiro livro roubado e o segundo.
Outro aspecto digno de nota é que o primeiro foi roubado da neve e o segundo, do fogo.
(...) Embaixo da blusa, um livro a estava devorando.
(Markus Zusak).


            É assim que os livros funcionam para mim, geralmente: como abrigos antiaéreos. É a metáfora que traduz de forma mais precisa a minha relação com os livros. Desde sempre a relação foi essa. Hoje, lendo a página 297 de “A Menina que Roubava Livros”, me dei conta disso, na passagem em que os nazistas estão inspecionando as casas para ver quais tem um porão que sirva como abrigo antiaéreo. Aliás, a história desta menina - Liesel - é tão fascinante que já há duas pessoas na fila querendo emprestar o livro. Uma delas se chama Angelita e quis roubar o livro, na verdade: Liesel influenciou aquela  saumensch de maneira muito auspiciosa.
            Embora no nosso céu não haja bombardeios ipsis litteris, há um estado de coisas  instaurado que me leva a buscar refúgio em local seguro. Sempre estou a salvo agarrada a um livro, tão fortemente quanto se agarrava Liesel.  Eu me lembro que ia e voltava do colégio abraçando Papillon e depois Banco, e amava Henri Charrière. Depois veio a fase Agatha Christie, lia dois por semana. O professor de português me lançava mísseis: eu deveria ler os clássicos da literatura brasileira.
            Acho que todos os grandes divisores de águas no meu percurso foram os livros, direta ou indiretamente. Primeiro a grande e maravilhosa guinada provocada pelos orientais. Graças a essa incursão hoje colho frutos suculentos. Li tudo o que encontrei sobre budismo, taoísmo, hinduísmo. Sobre xamanismo, kundalini, os chacras, e por aí afora. Depois Huxley, Hesse, Nietzsche, Krishnamurti, Blavastsky, Reich. 
            Veio o tempo da Facisa e as leituras foram de outra estirpe. Em seguida, as leituras na UFRGS e aí o bicho pegou mesmo. Teóricos franceses e toda a tecnologia de ponta na área da linguagem. Era desesperador, às vezes, embrenhar-se em algo de natureza tão intelectual e se afastar das outras literaturas. 
            Depois, tempo sem ler nadica de nada, de propósito. Salvo placas de trânsito, bulas e o estritamente necessário. Mas a bolandeira segue girando porque há muita cana a ser moída. E volto a me abrigar no porão. Mas agora com Clarice, Beckett, Cortázar.  No momento, é a esperta Liesel quem me apazigua e me faz rir. E outros tantos que, antes tarde do que nunca, lerei. Porque esses todos cumprem também outra função, além de abrigo subterrâneo: eles ensinam a escrever. E esta é outra guinada, a necessidade de aprender a escrever algo que preste.  Porque um belo dia – disso ninguém escapa -  a gente decide o que quer da vida, afinal.




Um comentário:

Anônimo disse...

Teu próprio comentário é maravilhoso, instigante. Sim, porque nos deixa claro que ler é o melhor remédio ( bons livros, é claro). Bjos