sexta-feira, 22 de maio de 2009

No Paraguai

Viver na região trinacional é um exclusivo privilégio, como eu já comentei aqui outro dia. A quantidade de etnias e culturas convivendo aqui é algo de causar inveja, eu diria. Vou levantar essa lebre hoje porque eis que eu estava no lugar onde isso pode ser visto, ouvido e sentido de forma mais evidente: em Ciudad del Este. Eu estava lá, no olho do furacão e, enquanto comprava uns adereços, ia pensando: “hoje é dia de escrever a coluna, sobre o vou falar, oxente?”. Aí me caiu a ficha: sobre isto, exatamente sobre isto aqui!
Para começo de conversa, para quem estuda a linguagem, Ciudad del Este é um prato cheio. Quando vou, fico com meu radar de analista de discurso e poeta captando tudo e registrando mentalmente aquele cenário fervilhante de idiomas, códigos, gestos, fisionomias, corpos, hábitos, comportamentos. Uma profusão de gente de todo lugar, todo tipo, todo ritmo, todo destino. A mocinha te atende falando português e enquanto isso, fala em guarani ou espanhol – ou reveza entre ambos - com os colegas. E o espanhol que se ouve não é um só. Há o dos paraguaios, mas há o dos inconfundíveis porteños, que estão sempre por lá comprando. Há o chinês e o árabe. E, no meio de tudo isso, se ouve os mais diversos falares brasileiros de gente vinda de todo lugar e as línguas dos turistas vindas de outros países.
Acompanhando este incrível cenário linguístico, há uma vertigem cultural a plena velocidade. É uma erva sendo socada no meio da rua e um mate tomado na mais profunda calma no meio do caos. Um carrinho de mão carregado de frutas te atropela, se você não tiver bons reflexos. As motos, sem comentários. E mesmo sendo pedestre, você pode atropelar alguém ou vice-versa, se não for bom de drible. Lá pelas tantas: ai, que rubia! Mais adiante: “cho” acá no vengo más y punto. No meio do fervo, um senhor de uns 90 anos com semblante muito débil vendendo suas meias. Uma senhora equilibrando cesta de chipas na cabeça dá gargalhadas invejáveis com a colega que vende sutiãs e faz alguma piada referente a eles em guarani. Um menino: que procura, senhora? Eu, rindo: sei lá!. Ele, se matando de rir: boa sorte, então!
Sobre esse mundo diferente, que pode impactar ou horrorizar algumas pessoas, é comum se ouvir todo tipo de juízos de valor, de declarações, de rótulos – Narciso acha feio o que não é espelho. Há que se olhar de outra perspectiva, acho, sem atribuir conceitos. O funcionamento das coisas ali é simplesmente outro, as relações são outras, os parâmetros são outros, a engrenagem é outra. Nem melhor, nem pior. O lugar poderia ser mais limpo? Sim. Poderia cheirar melhor? Sem dúvida. Mas embora eu também não goste da sujeira, do barulho e do mau cheiro, minhas antenas literárias tem outras intenções e não podem deixar de observar os aspectos fascinantes que estão imbricados naquela dinâmica e naquela riqueza cultural.
Há coisas surpreendentes a serem aprendidas se olharmos de um nível menos superficial, mais generoso e inclusive mais divertido. Se quisermos agir de modo mais coerente com a tão falada integração entre os três países, temos que sair da defensiva e ser imparciais. E eles – argentinos e paraguaios – também. Hay que endurecerse, pero sin perder la ternura.

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