(...) Noutra dimensão, num mundo paralelo, quem sabe.
Que tornaria a encontrá-lo numa interfrequência de televisão fora do ar,
e às quatro da manhã a surpreenderam
com um prato de macarrão frio entre os joelhos
os olhos vesgos postos nos riscos magnéticos verticais do aparelho ligado.
(do conto Onírico, de Caio Fernando Abreu)
Como no conto perfeito de Caio, lido três milhões de vezes, ele também “veio num sonho, certa noite”. Veio num sonho, uma certa noite, um certo homem. Um anônimo. Resultado das projeções antigas perpétuas inevitáveis do subconsciente, inconsciente e consciente. Resultado de tantas reprises cinematográficas. No sonho as coisas aconteceram com exatidão microscópica. Com uma cerimônia oriental.
Acordou contra a vontade, obviamente. Tentou dormir, burlar a ciência a lógica a matemática e voltar à faixa do sonho. Inútil. Levantou. E tentou, o quanto pode, preservar nítida a memória dos detalhes olfativos e visuais. Nenhum movimento brusco. Tudo feito sob leveza onírica.
Queria saber se o homem existia no mundo dos vivos, em algum planeta. Consultou o I Ching. Foi a uma cartomante (Clarice não foi?). Nenhuma pista, num raio de vários quilômetros. Nenhum indício. Probabilidade zero. Claro, no mundo dos acordados, as leis são outras e nos acontecimentos não há muita arte, nem sutileza, refinamentos, nem coisas do gênero.
Diante dessa constatação já de praxe, preferiu permanecer naquela frequência vibratória intermediária – acordada mas não exatamente – e tirar partido dos signos que ainda restavam do sonho e que lhe faziam pessoa mais leve e menos moribunda. Preferiu ficar naquela dimensão de coisas, naquela instância de sensações. Um anônimo com tanto veneno nos olhos que instaurou o absurdo na suposta ordem das coisas. Olhos que de maravilhoso caos. O mistério ancestral das coisas naqueles malditos olhos do inferno.
No sonho e também fora dele e sempre, as artérias confundidas de desvario onde corre um sangue atormentado. Traz aquela maldição de olhos de ópio no encalço feito uma condenação superfaturada. Um erro de cálculo na parte de peste que lhe cabe. Um desastre, andar encurralada por coisas desta espécie. A pessoa pode tornar-se perigosa. Uma ameaça até.
Um comentário:
Adoro o Caio e adoro você também...
me faz ficar uns bons minutos angustiada! Isso quer dizer que toca.
Te dei um selinho lá no Lexotan garota.
;**
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