Como nada acontece por acaso – ainda bem – eis que um dia recebo um e-mail de um tal Marcelo dizendo ter lido meu Flor e Cimento e fazendo observações muito afiadas. A partir daí mantivemos longas conversas acerca da literatura e adjacências. E, nestes diálogos, descubro uma pessoa de raríssima percepção das coisas e, o melhor, um poeta de primeira. Eu disse a ele e repito aqui que pretendo, ainda nesta encarnação, conseguir ter uma escrita tão afiada quanto a dele. A “técnica” de Marcelo é admirável: contundente, certeira, cortante, com uma precisão microscópica. Os dois poemas que seguem foram escritos recentemente. Apreciem sem moderação.
Poema feito a giz
A fruta no pomar
está alheia a tudo que a circunda,
exceto seu bojo de açúcar e textura,
que cresce
e vai tomando a forma de algo palpável,
de alguma coisa que se possa dizer fruta
ou açúcar
ou pele de fruta: alguma coisa
que se sinta e se prevaleça sobre o mundo.
Uma fruta no pomar
é mais que um avião
mais que um automóvel.
Flora
reduzida a sua mínima parte: vívida
pele
que cada vez mais se assemelha a aurora: delira
lentamente
nas horas da manhã
para então morrer no moer do açúcar e
do tempo.
Documentário
Um pouco dos dedos, dos pômulos, dos dentes, das gengivas. Um tanto dos sonhos, dos beijos, das brigas, das intrigas:
um tanto quase que perdido entre teu corpo e minha alma, entre o vão das coisas que se partem às quatro horas da tarde nas ventanias, nos vendavais, nos verões: coisas que ficaram perdidas
entre manhãs
dominicais: um tanto quanto que quase enlouqueci
quando vi teu
corpo
recender a este cheiro incomparável que é da infância,
um perfume molhado, quase úmido
que percorria minhas narinas, meus músculos, minhas fortificações: escrevi
teu nome
nos pântanos de minhas veias, em meus rios de vertigem, nas minhas cóleras de amor.
Um comentário:
Ele tem uma escrita complexa. Há de se ler uma porção de vezes afim de entender seu contexto subjetivo nos textos.
As palavras cultas faz-se escapar do amadorísmo que tanto gosto nas poesias. Mais isso é gosto meu particular.
Direto do Rio.
Beijos.
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